*Pode conter spoiler de Black Mirror - San Junipero
Em meio a tantas campanhas importantes, eu vi a necessidade de falar sobre algo apagado e muito relevante. Muita gente não sabe, mas setembro também é o mês da visibilidade bissexual, embora seja pouco divulgado e acabe ofuscado por tantas outras campanhas como o Setembro Amarelo que combate o suicídio e a depressão. Mas o B da sigla LGBT+, não é Bolacha (nem Biscoito se você for carioca, a gente respeita todas as origens aqui), é bissexual mesmo - sim, bissexuais existem, eu juro - e sofre um apagamento e uma discriminação dentro e fora da comunidade LGBT+ sendo consideradas pessoas indecisas entre outros no leque da bifobia. A bissexualidade ainda é pouco representada tanto nas campanhas de conscientização, promoção de informação, contra discriminação e nas mídias e entretenimento. Esse último um espaço importantíssimo para chegar até as pessoas um retrato, se não fiel, ao menos verossímil em relação a diversidade existente na vida real e causar uma reflexão acerca da sociedade mostrando que esse leque de possibilidades existe sim.
Um exemplo de como isso é ofuscado em meio a tantas outras informações é a própria história: em 1999 três ativistas dos direitos bissexuais dos Estados Unidos: Wendy Curry do Maine, Michael Page da Flórida, e Gigi Raven Wilbur do Texas escolheram o dia 23 de setembro para celebrar a bissexualidade e fazer com que essa parcela da sociedade muitas vezes esquecida pelos debates fosse notada. Embora verídico, eu encontrei apenas isso em uma pesquisa longa com a intenção de trazer dados, mêses atrás quando pesquisei sobre a visibilidade LGBT+ de uma forma geral eu achei dados muito mais completos. Nós esbarramos em uma divulgação ainda pequena nos dias atuais. Essa data foi criada em resposta à marginalização que as pessoas bissexuais sofrem dentro e fora da comunidade LGBT+ convidando a discutir e combater a bifobia presente na sociedade, ainda que velada e camuflada em outras formas de se manifestar.
bis·se·xu·a·li·da·de |cs|
substantivo femininoQualidade de bissexual.
Palavras relacionadas: bifobia, bissexual, bifóbico
bis·se·xu·al |cs|
adjetivo de dois gêneros
1. [Botânica] Diz-se da flor que reúne os dois sexos.
2. Hermafrodita.
3. Relativo à bissexualidade.adjetivo de dois gêneros e substantivo de dois gêneros
4. Que ou quem tem atração ou interesse sexual pelos dois sexos.(https://www.priberam.pt)
A diversidade sexual já ganhou muito espaço no meio do entretenimento e aumentou significativamente sua representação, mesmo longe de uma dimensão e construção ideais. Porém a expressão da bissexualidade na mídia ainda deixa a desejar. Segundo dados da GLAAD - Gay & Lesbian Alliance Against Defamation, uma organização não governamental com o objetivo de monitorar a forma com que a mídia retrata pessoas LGBT+, fundada em 1985 em NY para responder a cobertura sensacionalista de uma epidemia de AIDS - , o número de personagens bissexuais aumentou e as mulheres estão mais representadas. Mas isso passa uma idéia errada de que elas são mais aceitas quando, na verdade, algumas ainda estão sendo fetichizadas e sexualizadas pelos meios de comunicação para satisfazer um desejo machista da nossa cultura. Muitos personagens ainda são retratados dentro de estereótipos da bifobia e precisam desconstruir esses (pré)conceitos tanto na mídia quanto na visão das pessoas.
Alguns personagens no entanto são colocados de uma forma muito coerente e verdadeira dentro da narrativa, trazendo para o espectador um momento de reflexão sobre a realidade.Em meio a esse contexto, no domingo (dia 17 de setembro) o Emmy premiou os melhores programas de televisão do horário nobre dos Estados Unidos - de acordo com a escolha da Academia de Artes e Ciências da Televisão. Entre as escolhas campeãs desse ano está “San Junipero”, o quarto episódio da terceira temporada de Black Mirror, vencedor na categoria melhor filme feito para a TV e também como melhor roteiro em minissérie. A série é conhecida por expor o pior lado do ser humano com uma narrativa trazendo um futuro relacionado diretamente ao uso da tecnologia, além dos já habituais finais trágicos que fazem o espectador refletir sobre a forma com que leva a vida. Porém San Junipero se destaca nesse sentido por acabar de forma surpreendentemente bem, embora ainda cause um desconforto a respeito dos temas abordados - vida e morte.
San Junipero é uma cidade simulada para abrigar as pessoas em sua pós morte, muitas delas vivem uma experiência ainda em vida para saber se querem morar ali ou não. Yorkie e Kelly se conhecem em um bar local, aparentemente na década de 80 e vivem uma tensão sexual até se conhecerem melhor e se entregarem a essa paixão assumindo o que há entre elas. Yorkie revela que é sua primeira vez com alguém, seja homem ou mulher, já Kelly é bissexual e já foi casada por um bom tempo. Entretanto, elas só ficam juntas após Yorkie procurá-la através do tempo em San Junipero, em épocas diferentes, até conseguir encontrar Kelly, conquistar sua confiança e ambas trocarem histórias sobre si. Kelly confessa que está morrendo na realidade e não tinha qualquer intenção de estabelecer uma ligação genuina com outra pessoa dentro da simulação, já Yorkie é uma mulher que vive paralisada há mais de 40 anos, ocasião em que seus pais a rejeitaram por ser lésbica e ela bateu o carro num acidente.
O roteiro apresenta personagens lésbica e bissexual complexas e bem desenvolvidas, ambas realidades com histórias de luta geralmente apagadas dentro e fora da ficção. Além disso traz uma reflexão densa a respeito da vida e morte; e a forma como lidamos com isso fazendo com que o espectador pense a respeito de suas atitudes levando-o a valorizar mais aquilo que tem ao seu alcance.
Black Mirror é conhecido por tocar em feridas ao falar de forma pesada sobre assuntos delicados revelando facetas do ser humanos, esse episódio traz - entre possibilidades - uma alternativa na qual os personagens podem ser felizes, ou é isso o que nós queremos acreditar ao assistir. Entre poucas representações e entre tantas delas problemáticas, San Junipero apresenta uma situação delicada e profunda levando dois merecidos Emmys.
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