Esse post surgiu de uma forma muito aleatória mas preocupante. Eu fui em um grupo do Facebook divulgar uma estória que estou escrevendo e primeiro fiquei frustrada ao perceber que as pessoas procuram muito mais por romances e hots e a minha tinha um foco completamente diferente. Bom, gosto é gosto. Então continuei passando pelas postagens e vi uma divulgação que me chamou atenção, eu encontrei algo realmente problemático e preocupante. Era um trecho, ou sinopse (eu não me lembro, e não importa realmente) que claramente indicava uma agressão e deixava claro que era uma relação consentida. Veja, eu não quero julgar quem fez isso, eu não peguei para ler e não tenho o menor interesse, o problema é existir interesse, o problema é a romantização do abuso. Pouco importa como surgiu aquela relação ou que rumo ela ia tomar. Eu sei que eu estava dentro de um grupo do Facebook com uma parcela estatisticamente pequena para analise mas isso não deveria acontecer porque é uma carta branca dizendo que o assédio está liberado, é velado e quase sutil mas assustadoramente real.
Então, vamos falar sobre isso? A vida imita a arte, isso é tão verdade, mas tão verdade. A mente doente de quem diz que uma mulher e até uma criança pede para ser assediada de acordo com suas roupas tem um senso de realidade tão distorcido que ver as pessoas apreciando e romantizando o abuso é quase - se não for exatamente - um convite para a própria prática. Isso não é engraçado, não é legal e ~ o mais doentio ~ não é romântico.
Nós temos um discernimento muito bom de certo e errado, nós fazemos campanhas, damos apoios, incentivos, ensinamos, denunciamos, na vida real é tudo muito bonito ( ou não, óbvio). Mas a família tradicional brasileira, aquela do comercial de margarina que nosso legislativo defende, tem uma noção bem esquisita desse certo e errado quando apoia o que a televisão ensina, quando vê um romance bizarro onde claramente não deveria existir. Não é na ficção que está o problema, mas quando esse público apoia o assedio em vez de criticá-lo ele está dizendo sim; quando esse mesmo público critica o assédio real o agressor debocha na sua cara.
Quando você diz “criança viada”, quando você pede nudes de uma menina de doze anos, então eu diria que você chegou no auge do absurdo. É assustador como a forma com que o ser humano está lidando com criança revela a nossa sociedade e isso é uma coisa incrível da combinação entre internet e seres humanos: eu não preciso assistir MasterChef Junior para chegar até mim a catástrofe que virou os comentários absurdos sobre essas crianças - crianças. O fato de estar atrás de uma tela confere ao ser humano uma capa da invisibilidade das mais chocantes possíveis, ele se revela para o mundo como se ninguém pudesse vê-lo, mas sabemos que ele está ali e que aquilo é exatamente o que ele é quando desliga o computador e vai viver sua vida. Nós não concordamos, nós nos horrorizamos, mas acredite, alimentamos essa sociedade assim.
Um spoiler sobre a vida: se você acha que estou culpando a vitima, você é burro e não entendeu nada. Eu culpo a nossa sociedade, a nossa cultura sim.
Se você faz piada com assédio, estupro, racismo, homofóbicas, machistas, com pedofilia, com campanhas que visam apoio a pessoas que sofreram algum tipo de assédio, se você romantiza o assédio - sim, a culpa pela nossa sociedade ser assim também é sua.
Desculpa McFly, não era esse o futuro que você deveria encontrar.