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Siga o coelho e entre na toca, Aqui você vai encontrar textos sobre várias coisas te convidando a refletir. Mas lembre-se, eles foram escritos por alguém e expressam uma opinião, não uma verdade, você pode discordar ou não. * Spoilers estão identificados e ocultos, para ler selecione o trecho.

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quarta-feira, 26 de julho de 2017

Baseado em Fatos Reais



A dúvida que paira no limiar entre a realidade e a ficção traz uma sensação de imersão deliciosa. Quem nunca quis compartilhar por um momento os medos, alegrias, conquistas e tudo o mais pelo que o personagem passava? - admita que sim, não vamos contar para ninguém. Vamos concordar que não tem nada melhor do que terminar um filme com aquele sentimento pós créditos depois de um “Baseado em fatos reais” se perguntando se era tudo marketing da ficção ou se aconteceu de verdade trazendo um arrepio na espinha do início ao fim, ou então iniciar um livro já com a semente da dúvida plantada logo no prefácio quando nunca saberemos se o autor - foi ele mesmo quem escreveu? É o relato de um sobrevivente? São vestígios de alguém que não sobreviveu? - fez parte daquilo ou não. Ah, isso não é maravilhoso? Essa linha entre a ficção e a realidade baseada num e se? regada a referências, easter eggs e vestígios trazendo a narrativa cada vez mais para nosso mundo.





Nós vivemos de referências (tudo bem, você talvez não, eu digo nós ~ amantes de ficção... Ficção?), afinal Steve Rogers tá aí pra isso né. Mas se a arte imita a vida, a vida imita a arte e nós nunca saberemos o que realmente aconteceu primeiro. E não seria estranho demais encontrar histórias na vida real que traçam uma tênue coincidência (será?) com a ficção e flertam com nossa percepção do que é ou não real? É o que acontece quando a realidade extrapola a ficção e encontramos relatos como “shadow people”.

Embora não exista um consenso científico para definir o que realmente são shadow people, esse é um termo usado para se referir a certas sombras em formato humano que algumas pessoas enxergam brevemente ou ainda relatam terem sido visitadas enquanto dormiam. As divergências das definições vão desde espíritos malignos até viajantes do tempo e alienígenas, ou simplesmente pessoas presas entre o mundo espiritual e o material. Se é verdade ou não, não há provas nem consenso, mas essas sombras permanecem sendo relatadas


Um livro com uma premissa muito peculiar que passa uma sensação muito parecida com essas sombras é Brightville do Mateus Rizzo, autor do Wattpad - plataforma de publicação online.




Sinopse:
Brightville, uma pequena e tradicional cidade do estado de Washington, representava tudo que Mark, um obsessivo e problemático ex-agente do FBI, e sua família precisavam. Tranquilidade, um bom ambiente e, principalmente, uma tela em branco, onde pudessem recomeçar. Após alguns meses em Brightville, porém, a ilusão de tranquilidade começa a se desfazer e a cidade pequena e nevoenta passa a se parecer cada vez mais com um cenário de terror, trazendo a tona velhas chagas e feridas que o tempo não conseguiu cicatrizar. Quando um criminoso brutal começa a atacar nas noites da cidade, as coisas chegam em um ponto de ebulição e Mark precisa descobrir os segredos de Brightville e o que realmente se esconde nas sombras, antes que tudo se perca, incluindo sua família, a cidade e ele mesmo.



Esqueça os clichês de gênero, esqueça qualquer coisa que vier a sua mente ao imaginar terror. Muito mais que o sangue e o gore, o livro vai além e traz um jogo psicológico, um jogo com o pavor íntimo de cada um, o verdadeiro terror. Mas antes de tudo traz um cuidado notável e minucioso com o texto em cada palavra e expressão ao elaborar diálogos e situações muito bem escritos e verossímeis com seu contexto social, é extremamente fácil enxergar as cenas acontecendo da forma como são descritas pelo cuidado que o autor tem com o cenário e o léxico adequado.


Nós entramos em Brightville com Mark, com a promessa de uma vida nova, acompanhamos ele em sua mudança e somos tragados com ele num caminho sem volta. Mais que um cenário, Brightville é o personagem principal dessa estória. A cidade é um organismo vivo que dorme e acorda junto com as pessoas e em meio a Brightville há um outro personagem enigmático com o qual seus habitantes convivem: a escuridão.


O leitor imerge na tensão do personagem conforme cai a noite, e precisa correr atrás de todas as peças encaixando-as antes que amanheça porque logo será um novo dia e antes que perceba cairá a noite mais uma vez. A narrativa te leva entre os personagens num ritmo frenético de acontecimentos simultâneos durante as noites enquanto eles são obrigados a encarar seus medos e fracassos do passado revivendo-os. Nós conhecemos os personagens pelo ponto de vista do narrador e dos outros personagens como se fossemos mais uma pessoa comum da cidade conhecendo-os. Depois somos levados ao seu passado para encarar seus medos junto com eles em meio a suas mentes num jogo sádico e doentio entre Mark e um vilão invisível dez passos a sua frente.


O livro te convida para mudar de vida com Mark em uma pacata cidadezinha, tentador e irrecusável. Você aceita, óbvio, é um convite sedutor e atraente, porém sem volta. Uma cidade onde cada um tem uma motivação que o faz seguir em frente mas tem também o peso da culpa e do medo; a sombra dessa culpa e medo residentes no passado paira agora sobre seus donos. Você sabe o que é real quando as luzes se apagam?
Bem vindo a Brightville: uma cidade pequena, um futuro brilhante. Não esqueça de apagar a luz ao fechar a porta deixar a luz acesa.


O autor, Mateus Rizzo, é um cara qualquer: 19 anos que devia crescer, mas, em vez disso, prefere escrever histórias de terror e compartilhar fotos de gatinho nessa grande rede mundial de computadores. Mentira, de qualquer ele não tem nada e vocês podem conferir isso na entrevista exclusiva. “Conta pra gente como você se sentiu quando descobriu que a realidade plagiou seu livroClique aqui para ler a entrevista.


Entre ficção e realidade, fica ai o questionamento. Na dúvida deixo o link do livro aqui ;)
Página do autor aqui



quarta-feira, 12 de julho de 2017

Fight Like a Girl - A Força de Sansa Stark

*Pode conter spoiler de Game of Thrones



Julgar a vida alheia é uma delícia né. Mentira. É feio, não façam isso em casa, crianças. Mas tudo bem se estivermos falando de ficção, é para isso que serve a sétima arte (ou a oitava, no caso), não? Para subir os créditos e reescrevermos todo o roteiro num debate sobre enredo e personagens com os amigos - porque obviamente faríamos melhor que os escritores originais ou é isso o que pensamos como bons críticos de bar que somos quando debatemos toda uma cronologia bagunçada, ou uma adaptação ~um pouco~ diferente do livro ou tantas outras coisas. E olha, a ficção ta ai para isso viu, pode criticar a vontade. Porque se não pudermos entrar naquele mundo, trazer para nossas discussões diárias e reviver tudo aquilo entre nós, então não faz sentido que aquele universo exista. Melhor ainda do que essa imersão é a representação e identificação que criamos com o personagem.



Convenhamos, é muito confortável, cômodo e fácil para nós - muito bem alojados em um sofá, uma cama ou onde você preferir, diante da tela de sua escolha em meio a tantas opções que temos atualmente; em nosso atual contexto histórico - nos identificarmos com alguns personagens. É muito mais fácil enxergarmos força e determinação em certos personagens. Mas precisamos ter uma mentalidade muito preguiçosa para igualmente julgar outros personagens abstraindo todo o contexto no qual está inserido sem levar em conta todas as informações que nós temos e ele não dentro de seu contexto narrativo.



É muito mais fácil se identificar, apoiar e desejar elementos da personalidade de uma Arya Stark. Justamente porque ela distoa e sobressai em meio ao que esperamos atraindo a atenção para si. Ela é a menina corajosa que luta sozinha e foge para se salvar, que promete vingança e vai até o fim do mundo para se provar e alcançar seus objetivos. Ela nunca foi uma criança normal e nunca conseguimos ver o que seria uma criança normal porque ela nos fez perder esse referencial. Ficou muito confortável usar ela como o herói que nós buscamos hoje e desvincular tudo o que acontecia ao redor dos personagens. Mas se você não consegue amar Arya e não olhar para Sansa Stark sem chamá-la de Sonsa, você está sendo -no mínimo- preguiçoso. Preguiçoso por não enxergar a riqueza de conceito narrativo e como essa personagem é tão bem construída a ponto de ser odiada exatamente sem motivo (calma, eu vou explicar). Você, que está lendo esse post aprendeu sobre igualdade de gênero e como homens e mulheres têm os mesmos direitos e deveres, né? - a gente espera que sim, amém. Então, ali não era assim. Você com a sua mentalidade - estamos supondo que você tem uma concepção ideal de igualdade de gênero - enxerga coisas que a personagem nunca vai enxergar e foi educada de forma a não enxergar. Soma a isso o fato de que você está assistindo todos os núcleos da trama e a personagem não tem acesso ao mesmo conteúdo que você, leitor desse post :) Tá acompanhando? Tá vendo como essa galera foi injusta com ela?

Agora que estamos entendendo o motivo dela ter tido muitas atitudes tidas pelo fandom como condenáveis, que lhe renderam o título de Sonsa, vamos ver porque ela é um personagem forte. Sansa nasceu e cresceu em meio aos costumes daquela cultura, cultivando - ao contrário da irmã - sua ingenuidade acerca do mundo. Ela era quem ela foi educada para ser, quem sua cultura ensinava a ser e aprendeu muito mais sobre o mundo e a vida com o próprio mundo. Sansa é uma personagem forte porque em sua inocência viu seu mundo desmoronar, aprendeu sobre o mundo vivendo ele ao ser jogada na realidade e sobreviveu - sim, ela é uma sobrevivente - aos seus inimigos convivendo em meio a eles. Ela jogou e ganhou.

A mesma menina que saiu de Winterfell sobreviveu a Westeros, ela pode não ser mais a mesma menina, mas com toda sua ingenuidade inerente a sua idade e àquela cultura patriarcal ela cresceu em meio ao ambiente mais perigoso para ela. Em meio a interesses e jogos de poder, Sansa também aprendeu a usar suas próprias armas: burocracias e diplomacias.  

Vamos julgar sem preguiça de pensar em todo o universo narrativo por trás do personagem, ok? Ok. Mas só os personagens, julgar os amiguinhos não pode ;)