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sexta-feira, 27 de outubro de 2017

O Conceito de Amizade em Stranger Things




Com a volta de Stranger Things, depois de um ano de espera de muitos fãs, eu me vejo no dever - mais do que de fã da série, como entusiasta de séries, do upside down dentro do geek no nosso mundo e amante referências - de trazer um pouco do universo narrativo dessa produção. Ambientada nos anos 80, com uma trilha da época que faz juz ao cenário e um clima nostálgico de sessão da tarde com referências desde Steven Spilberg a Stephen King; a série traz enigmas, mistérios e amizade na fictícia Hawkins em Indiana, onde um grupo de garotos investigam o desaparecimento de Will ao mesmo tempo em que sua mãe entra num estado de desespero enquanto procura pelo filho seguindo pistas ao se comunicar com ele através de estranhos sinais. A comoção pelo desaparecimento toma conta da cidade, o chefe de polícia Hopper assume a investigação que acaba agindo como um gatilho em meio a suas memórias da filha que ele perdera tempos antes. Os acontecimentos ganham proporção e envolvem cada vez mais pessoas, até que eles conhecem Eleven e descobrem o que está acontecendo ao mesmo tempo em que a companhia elétrica tenta encobrir o rastro dos seus experimentos e um mundo paralelo - upside down - que coexiste sob a superfície está prestes a vir a tona.

Mas você vai falar só de Stranger Things?
Vou sim.



Mais que uma coletânea de referências em homenagem aos anos 80, Stranger Things é sobre amizade. A série começa com uma sessão de RPG de Dungeons & Dragons entre o grupo de amigos, estabelecendo uma conexão entre eles e trazendo o espectador para o lado deles  dentro da mesa da aventura. Já nesse momento conhecemos o que cada um representa no grupo ao ver seu comportamento no jogo como uma metáfora de seu convívio cotidiano. Esse momento inicial é muito significativo porque mostra a forma como as crianças enxergam as coisas e as relações  pessoais, bem como o jeito de resolver seus problemas: para eles, a vida e o mundo são uma grande aventura de Dungeons & Dragons e isso é reiterado aos poucos mais para frente conforme somos introduzidos cada vez mais nesse universo infantil. A grande metáfora é o momento em que Will revela para Mike o real valor que havia tirado no dado e recebe um veredicto sobre ter sido pego ou não pelo demogorgon independente da partida já ter se encerrado - isso mostra inclusive a honestidade de Will acerca dos dados.

Então acontece algo de maravilhoso: depois de encontrar Eleven e ajudá-la levando-a para casa onde ela encontra abrigo longe dos cientistas da companhia elétrica, os meninos precisam ensinar a ela o conceito de amizade. Porém isso se dá segundo a concepção que há entre eles, seus próprios códigos e valores. Mike da abrigo em sua casa, confia nela contrariando Lucas na esperança de encontrar Will enquanto Dustin é o elo remanescente entre o grupo de amigos. E, quando surge a necessidade, eles constroem para Eleven um conceito - complexo de se colocar em palavras - extremamente simples e puro para definir amizade, profundo e que une eles segundo aquilo que eles acreditam.



Pode soar óbvio que promessa é algo que não se quebra, mas Eleven não tem o referencial do que é uma coisa realmente confiável após conviver nas dependências dos laboratórios da companhia elétrica. Ela não tem em seu repertório conceitual a noção de amizade. Quando Mike diz que amigos não mentem, ela não tem em sua memória uma referência do que é uma relação baseada em verdade. - Amigos contam a verdade sempre. E eles nunca mentem um para o outro. - A definição de amizade para os meninos se baseia na relação de convívio que eles têm, na troca, confiança e companheirismo natural cotidianos. Existe ali um manual invisível que eles precisam transcrever para ela entender esse tipo de relação, - Um amigo é alguém por quem você faria qualquer coisa. Você emprestaria as suas coisas legais como gibis e cards raros. E eles nunca quebram uma promessa. -  essa é a forma mais pura, inocente e verdadeira que os meninos encontram para definir amizade e é a essência da série. É em cima desse conceito que Eleven vai se moldar ao conviver em sociedade fora da condição de cobaia.

Cada personagem expressa e demonstra sua percepção dos relacionamentos construindo ao longo da narrativa seu referencial: Nancy aprende a conhecer Jhonatan e redescobre ele como pessoa reconstruindo seus conceitos a seu respeito conforme o conhece melhor enquanto eles se ajudam mutuamente ao procurar por Will e Barb; ao mesmo tempo ela ajuda Steve a ser uma pessoa melhor ao mostrar para ele que não é preciso ser um valentão para ter atenção e ser legal dentro do grupo de amigos - pelo contrário. Enquanto as crianças percebem o mundo através do RPG com suas metáforas e precisam ensinar Eleven sobre amizade, Nancy redescobre a si mesma como uma pessoa forte e capaz que não depende de um namorado para ser uma pessoa aceitável socialmente ao ser exibida pela escola ao seu lado. Então, com o tempo, ela se transforma num novo elo de amizade que une diferentes pessoas.



Recheada de referências a filmes e livros que remetem ao nosso imaginário popular - Star Wars, ET, Alien, Freddy Krueger, Tubarão, Carrie - a estranha, It - a coisa, Clube dos Cinco, Conta Comigo, X-Men, Poltergeist, O Hobbit, entre várias outras narrativas e aliada a uma trilha sonora cuidadosamente escolhida, Stranger Things traz a tona uma atmosfera nostálgica que consegue construir esse clima das relações interpessoais dentro do contexto de homenagem e referências de forma maravilhosa.